Lucas 9.28-36
Último Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
o nosso rosto está ligado à nossa identidade. Somos conhecidos por causa do nosso rosto. E conhecemos outras pessoas por causa dos seus rostos. Muitas vezes não lembramos o nome de uma pessoa, mas nossa memória nos avisa que a conhecemos porque o seu rosto é conhecido e foi registrado em nossa mente. O nosso rosto fala de nós – e olhar nos olhos pode ser perigoso quando há profundezas que queremos esconder dos outros.
Hoje, vivemos a “era dos rostos”. As redes sociais que usamos exigem o rosto perfeito. Criou-se um padrão de beleza e as pessoas, especialmente os mais jovens, devem corresponder a esse padrão para terem aceitação nas redes sociais. Talvez essa seja uma nova forma de salvação por obras através da beleza que é oferecida a um mercado consumidor. Sim, nossos rostos são constantemente avaliados e consumidos.
Ao mesmo tempo, filtros das redes sociais e o uso da Inteligência Artificial podem criar falsos rostos que escondem a beleza única do rosto verdadeiro. Estamos na era em que a aparência tem mais importância que a essência, a superficialidade tem mais importância que a profundidade e em que o virtual é mais importante que o real. A internet é o mundo do ideal e do perfeito, da alegria sempre plena e dos rostos desfigurados pelos padrões exigidos pela sociedade que reage e recompensa os melhores rostos desfigurados com curtidas, comentários e compartilhamentos. Ou seja: a beleza passa a ser medida numericamente: mais curtidas significa um rosto e uma beleza mais aceitos por mais pessoas – que talvez queiram ter um rosto parecido com o rosto visualizado e contemplado na tela do celular – que é o portal que revela quase um novo paraíso não do reino dos céus, mas do ideal terreno.
O rosto de Jesus foi transfigurado, não desfigurado. Seu rosto brilhou, mas ele não perdeu a sua identidade; seu rosto brilhou, mas Jesus continuou sendo quem ele é; seu rosto brilhou e mostrou exatamente quem é Jesus. Quando o rosto de Jesus brilhou, a sua natureza divina foi manifestada: diante de Pedro, João e Tiago está aquele que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem – em tudo igual a nós, exceto no pecado. O Jesus homem é o Cristo de Deus. Separar o Jesus homem do Cristo de Deus significa idolatria, transformando Jesus em apenas um homem e, portanto, um ídolo a ser admirado e não no Senhor a ser adorado pela glória manifestada no monte. Seu rosto transfigurado não é uma máscara, um filtro de rede social ou um milagre da Inteligência Artificial. Essas tecnologias podem trazer desfiguração. Já o rosto de Jesus foi transfigurado, mostrando e revelando a glória de Deus.
No rosto de Jesus está o rosto de Deus! O mesmo rosto que logo mais lembraremos ter passado pelos sofrimentos da cruz: onde a humanidade viu a glória de Deus e a beleza de Deus naquela “fronte ensanguentada ferida pela dor”. Ali também não há máscaras, filtros ou inteligências artificiais. Ao contrário, a cruz é o puro desmascaramento do rosto de Deus e a pura realidade do amor de Deus pela humanidade. Esse rosto cheio de sofrimento e marcado pela dor também é um rosto cheio de amor, compaixão e solidariedade aos pecadores – a dura realidade que não cabe ser escancarada nas redes sociais, mas que foi escancarada na cruz!
E onde encontramos o rosto de Deus hoje? Onde há rostos que demonstram sofrimento, ali está o rosto de Deus; onde há rostos marcados pela vida difícil e cheia de traumas, ali está o rosto de Deus; onde há rostos marcados pelo medo, pela incerteza e pelo desespero, ali está o rosto de Deus. O rosto de Deus é encontrado em sua glória onde há sofrimento. Por isso Pedro, João e Tiago não puderam armar suas tendas e permanecer naquele monte para sempre. Não! Foi preciso sair da tentação chamada “zona de conforto”, descer o monte e encarar a realidade tal qual ela é – inclusive, com a tão pesada cruz!
Amados irmãos, amadas irmãs,
o ser humano não é Deus, mas foi criado à imagem e semelhança de Deus. Mesmo após a Queda em Gênesis 3, o ser humano não perdeu a imagem e semelhança de Deus. Por isso, defendemos a dignidade humana, pois todas as pessoas são criadas à imagem e semelhança de Deus.
Julgar rostos aponta que estamos nos alienando uns dos outros e deixando de nos vermos uns aos outros como imagem e semelhança de Deus. Jesus não fez isso – e não faz isso! Por isso, acredite: em seu rosto também está presente a glória do Deus que te criou à sua imagem e semelhança. Seu rosto – assim como é – testemunha do Deus Criador. E no rosto do Redentor encontramos a face da empatia que olha para o nosso rosto não com julgamento, mas com compaixão, misericórdia, perdão, reconciliação, acolhimento e amor. O rosto de Jesus é um rosto cheio de amor. E é com esse rosto que Jesus olha para o seu rosto – hoje!
A nossa sociedade doente desfigurou rostos para que possam ser enquadrados em certos padrões de beleza da sociedade de consumo e de mercado. Jesus transfigurou o seu rosto para vermos nele a beleza do amor de Deus que nos aceita como somos – com nosso rosto e nossa identidade. Deus te aceita assim como você é e só pede que você também o reconheça como ele é em sua identidade: verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Jesus é o Cristo de Deus.
Vamos partilhar esse amor uns com os outros – na identidade tão única de cada pessoa e com o rosto que Deus nos concedeu. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes, em Cristo Jesus, amém.