Isaías 62.6-12
Dia do Natal - Ciclo do Natal - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
na noite de 24 de Dezembro de 1944, na Floresta de Ardenas, na fronteira da Bélgica com a Alemanha, Fritz Vincken, com apenas 12 anos, e sua mãe, Elisabeth Vincken, estavam se preparando para comer a sua ceia natalina – que era uma sopa de frango, feita com um galo magro e batatas ralas: estavam na II Guerra Mundial. A família Vincken era alemã.
Enquanto Elisabeth preparava o jantar, alguém bateu na porta. Fritz acreditava ser seu pai, Hubert. Elisabeth apagou as velas. Ela e Fritz foram até a porta. Ao abri-la, descobriram três soldados americanos do lado de fora. Eles tentaram falar com Elisabeth, mas ela e Fritz não falavam inglês. Um dos soldados havia levado um tiro e todos estavam sofrendo congelamento. Com gestos, perguntaram se podiam entrar. Elisabeth concordou – embora soubesse que na Alemanha Nazista abrigar o inimigo era algo punível com a morte. Contudo, ela resolveu correr o risco. O soldado ferido foi colocado em uma cama, pois havia perdido muito sangue. Elisabeth providenciou lençóis que rasgou e transformou em bandagens para ele. Um dos soldados perguntou se Elisabeth falava francês. Felizmente, ela falava. Então ele conseguiu explicar a ela que eles se perderam e que estavam vagando pela floresta quando avistaram a fumaça saindo da cabana. Elisabeth se pôs a fazer tudo o que podia. Adicionaram algumas batatas, verduras e água na sopa. Então os soldados americanos começaram a relaxar.
Foi então que escutaram mais batidas na porta. Fritz e Elisabeth pensaram que deviam ser mais soldados americanos. Fritz abriu a porta e, para sua surpresa, havia quatro soldados alemães do lado de fora. Estavam congelando no gelo e perguntaram se poderiam entrar, ao que Elisabeth respondeu que sim, desde que aceitassem “seus convidados”. Elisabeth disse aos soldados alemães: “Esta é a noite de Natal. Nada de tiroteios por aqui. Coloquem suas armas no galpão de madeira. E então poderemos ter um bom natal”. Eles concordaram. Os soldados americanos perceberam a chegada dos soldados alemães. Elisabeth também os convenceu a entregarem as suas armas.
Por dois minutos, houve muita tensão na cabana. Contudo, aos poucos, o cheiro bom da sopa foi retirando a tensão do ar. Descobriram que um dos soldados alemães falava inglês. Então, um dos soldados americanos disse que estudava medicina antes da guerra. Ao se aproximaram do soldado ferido, perceberam que o frio havia impedido a ferida de uma infecção e que logo poderia se recuperar.
Então, todos se reuniram para o jantar. Elisabeth fez uma oração agradecendo por aquela noite cheia de paz. No relato de Fritz, os soldados alemães e ingleses começaram a chorar – lágrimas que passaram assim que começaram a comer. Fritz lembra que a paz continuou até a manhã seguinte. Os soldados alemães ajudaram a fazer uma maca improvisada para o americano ferido e deram aos outros americanos as instruções para retornarem à sua linha.
Fritz contou essa história ao mundo em uma entrevista no ano de 1973. Em 1995, um capelão chamado Eldridge Ward reconheceu a história. Ele a ouviu de Ralph Henry Blank, um morador de um lar de idosos. Ralh havia sido um sargento que serviu na 8º divisão do Exército dos EUA na Bélgica. O capelão passou o contato de Ralph para Fritz. Na conversa por telefone, Ralph confirmou que era um dos soldados que havia sido acolhido por Elisabeth e Fritz no Natal de 1944. Em 19 de Janeiro de 1996, Friz voou para Maryland para reencontrar Ralph no lar de idosos. Ralph disse a Fritz: “sua mãe salvou a minha vida”.
Em 21 de Maio de 1999, Ralph faleceu aos setenta e nove anos. Em 8 de Dezembro de 2001, Fritz faleceu aos sessenta e nove anos.[1]
O Senhor não nos abandonou. Ele visitou e redimiu o seu povo. O profeta Isaías prometeu a vinda do Salvador. E ele já veio. A promessa se cumpriu. Deus ao mundo desceu. É Emanuel, Deus conosco; não é Deus distante lá no céu, mas aqui, pertinho de nós. Não é Deus distante dos nossos sofrimentos, das nossas dores ou da nossa humanidade, mas o Deus que sofre, o Deus que sente as dores que sentimos, o Deus que se fez humano – sem deixar de ser Deus.
Ele nasceu para unir as pessoas. Ele veio para unir os povos. Ele veio para que fôssemos um só povo que vive o Reino de Deus. Conforme a profecia de Isaías, a vinda de Jesus tem como um dos seus propósitos acabar com todas as divisões existentes na terra – para que todos sejamos nós e não nós e eles. O propósito do nascimento de Jesus é que possamos construir pontes e estarmos próximos uns aos outros, mesmo com diferenças. Em Jesus, o povo de Deus já não é um território geográfico, uma etnia, cultura ou língua específicas. Em Jesus, povos, etnias, culturas e línguas se tornam um só rebanho de um só pastor.
O que a Torre de Babel dividiu, o menino deitado na manjedoura veio para reunir: o sonho do profeta se realizou. Agora, há um novo nome para o povo de Deus: já não se chama mais Israel, ou seja, “aquele que luta com Deus”, mas Igreja, ou seja, a reunião das pessoas que creem em Jesus. Onde há união entre pessoas, famílias e povos, ali se realizou o milagre de Natal.
Em meio a tantas guerras, divisões e confusões, Jesus veio para trazer a paz ao mundo. Afinal de contas, ele é o “maravilhoso conselheiro, Deus forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz” (Isaías 9.6). Com sua vinda, inaugura-se o novo povo de Deus: não pelo sangue que corre nas veias, mas pelo sangue derramado no madeiro da cruz. Eis a Nova Aliança – Novo Testamento – que reuniu como povo de Deus pessoas de todos os povos que creem em Jesus. Este é o propósito do seu nascimento. Esta é a sua missão enquanto Deus-homem.
É Natal. O Salvador já veio. E te convida a fazer parte do seu povo. No batismo, somos acolhidos como povo de Deus. A partir do batismo, recebemos as promessas de salvação. Pela fé, abrimos o presente e vivemos as promessas de Deus em nosso dia a dia. Pela fé, todas as pessoas são bem-vindas ao povo de Deus. Jesus acolhe, Jesus aceita e Jesus ama! Todos são bem-vindos!
Assim nos diz o Salmo 33.12: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo ao qual escolheu para sua herança”. Quem é essa Nação? No Antigo Testamento, era um povo específico, com uma cultura específica e uma língua específica: o povo de Israel. Na Antiga Aliança, para participar do povo de Deus era necessário pertencer ao povo de Israel – e os meninos deviam passar pela circuncisão. Mas o nascimento de Jesus mudou tudo: agora, no Novo Testamento, a nação de Deus é a Igreja de Jesus Cristo: e a Igreja reúne pessoas de diferentes povos, culturas e línguas. A feliz nação cujo Deus é o Senhor é a Igreja de Jesus Cristo. É nela que Jesus Cristo reina, pois é o seu cabeça! Nação de Deus são as pessoas que, pelo batismo e pela fé, pertencem à Igreja Cristã.
O profeta Isaías diz: “Eles serão chamados de “Povo Santo”, “Remidos do Senhor”” (Isaías 62.12a). E isso aconteceu quando Deus decidiu viver entre nós, conforme o testemunho de João: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (João 1.14). A glória de Deus se manifestou em Jesus não para dividir, mas para reunir os que haviam se espalhado. A centralidade de Cristo é fundamental para que a Igreja continue unida ao mesmo tempo em que é vigilante a tudo que causa divisão.
Amados irmãos, amadas irmãs,
o texto do profeta Isaías nos convida a não enxergarmos o Natal apenas como um evento histórico importante, mas a participarmos ativamente no Reino de Deus, buscando a união onde há divisão, promovendo a unidade na diversidade e levando reconciliação onde algo foi quebrado. O Natal é um chamado à Nova Aliança: pelo batismo, somos povo de Deus. Assim, somos convidados a acolher, incluir, bem como a ir ao encontro de quem precisa.
O Natal é um chamado à transformação. Deus veio ao mundo não como um rei pronto para a guerra afim de impor o seu povo escolhido sobre outros povos; não! Deus veio ao mundo de forma humilde: um gesto de amor e reconciliação. O Natal deve moldar a nossa vida não apenas nesta época do ano, mas diariamente o ano todo. O Salvador que nasceu em Belém nos convida a sermos um povo santo, unido e remido pela fé em Jesus Cristo.
O Natal nasça de novo em nossas vidas para que sejamos um só povo unido através de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, assim como Elisabeth e Fritz tão bem demonstraram naquele Natal de 24 de Dezembro de 1944. Amém.
[1] https://unsolvedmysteries.fandom.com/wiki/The_Friends_of_Fritz_Vincken. Acesso em: 21. dez. 2024.