Lucas 6.27-38
7º Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
muitas vezes tudo o que queríamos poder fazer é revidar; talvez, dar o troco; talvez, buscar a vingança; talvez, ofender tal qual fomos ofendidos. Enfim, muitas vezes tudo o que queremos é a oportunidade de tacar uma pedra bem dada em quem nos fez algum tipo de mal. Na entrada da igreja, todas as pessoas receberam uma pedra. E agora, te faço uma pergunta para você pensar: em quem você gostaria de tacar essa pedra? Se hoje fosse a sua chance, quem seria o alvo?
Pensar sobre isso pode fazer a nossa memória lembrar de pessoas, situações e sofrimentos passados... Talvez, de dores que ainda não foram aliviadas, cicatrizadas e curadas... E pedir pra você lembrar em quem você gostaria de tacar a pedra pode também significar lembrar de uma dor interior muito forte. Pessoas nos magoam; pessoas nos machucam; pessoas quebram a nossa confiança; palavras nos ferem na alma! Conviver é realmente uma arte muito difícil.
O nosso instinto é pela vingança. O nosso instinto é pela retaliação. O nosso instinto é pelo olho por olho e dente por dente. A nossa natureza humana é assim. O nosso instinto de sobrevivência é assim: de não aceitar de forma barata uma ofensa, mas fazer pagar caro; de não aceitarmos a humilhação de um tapa no rosto sem revidar; de não nos dispormos a ser trouxas para que os outros façam conosco o que quiserem; de não sermos sacos de pancadas; de não sermos objetos de zombaria e escárnio.
E, então, nós que estamos com as pedras nas mãos prontas para serem arremessadas contra o inimigo, ouvimos essas palavras de Jesus: “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam” (Lucas 6.27); e: “Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e, ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica” (Lucas 6.29).
Mas, será que isso é fácil? Será que seguir esse ideal é tão simples assim? Será que amar aos inimigos e amar a quem nos machuca e nos ofende é tão simples como “apertar algum botão em nós mesmos que aciona o perdão” e está tudo resolvido? É tão simples assim receber uma bofetada em um lado do rosto e oferecer o outro lado para ser esbofeteado também?
Não! Isso não é simples! Não! Isso não é fácil! Não! Isso não é natural! O teólogo luterano alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche chegou a dizer que Jesus foi o primeiro e o último cristão. Nietzsche escreveu de forma crítica: “Já a palavra "cristianismo" é um mal-entendido - no fundo, houve apenas um cristão, e esse morreu na cruz. O "evangelho" morreu na cruz”[1]. E tenho a tendência em concordar com essa profunda reflexão de Nietzsche. De fato, amar aos inimigos da forma como Jesus amou, só ele! Dar a outra face como Jesus deu, só ele! Sofrer tamanha humilhação e ainda pedir o perdão àqueles que o maltratam, só Jesus!
Apenas ele conseguiu fazer aquilo que ele mesmo ensinou. Só Jesus conseguiu praticar as suas próprias palavras. Só Jesus conseguiu cumprir aquilo que acabou determinando para si mesmo nesse texto bíblico. Ele suportou a dor sem a vingança; ele suportou a violência sem a retaliação; ele suportou a humilhação sem esperar pela “lei do retorno”. Jesus – e só ele – cumpriu tudo o que disse, ensinou e profetizou nesse texto.
Portanto, olhando assim, ele foi, de fato, o único cristão, pois nós – chamados cristãos – não conseguimos fazer o que Jesus fez. Nós queremos tacar a pedra! Nós queremos a vingança! Nós queremos a retaliação! E, talvez, tudo isso como uma forma de aplacar a dor que sentimos dentro de nós ou até como uma forma de fazer justiça – já que, muitas vezes, parece que a justiça não chega.
E, em um nível maior, surgem as ameaças de guerras, as próprias guerras onde egos inflamados disputam para ver quem tem mais poder! E o sangue de mulheres, crianças e homens é derramado em nome do ódio, da ofensa e da vingança.
Amados irmãos, amadas irmãs,
esse texto não é simples. Há muitas camadas aqui. Por isso, reconheçamos: é difícil cumprir estas palavras de Jesus; é difícil fazer o que está escrito nesse texto bíblico; é difícil amar aos inimigos; é difícil dar a outra face. Reconhecer isso em nosso coração não é pecado, mas sinceridade conosco mesmos e com Deus. E não há nada que Deus valorize mais que a sinceridade dos nossos sentimentos. Deus prefere que sejamos sinceros e digamos “eu não consigo” do que finjamos que conseguimos amar a todas as pessoas que nos fazem mal.
Todos nós temos uma pedra em nossas mãos. E eu tenho um convite a fazer a você. O convite é: seja sincero com Deus hoje. Diga: “Senhor, eu tentei amar, mas não consegui. Senhor, eu já tentei perdoar, mas não consegui. Senhor, eu não consigo cumprir essa palavra”. Convido todos nós a trazermos as pedras que temos nas mãos aqui na frente e juntos, como Comunidade de Jesus, formarmos com as pedras uma cruz. Ao trazer a sua pedra para a cruz, não pense na pessoa que te ofendeu, te fez mal ou te prejudicou; pense em você mesmo! Deixe essa pedra aqui e faça uma oração onde você vai dizer a Deus que é difícil conviver com essas marcas dentro de si. Ao deixar a pedra na cruz, saiba que Deus está acolhendo a tua dor, o teu desapontamento, a tua tristeza e a tua angústia. Deus não está te julgando pela dificuldade em amar aos inimigos; Deus está te acolhendo e dizendo: “ok! Então eu os vou amar por você”. Enquanto temos esse momento, ouçamos um hino instrumental.
(Dinâmica).
Oração comunitária: Senhor Deus, obrigado que acolheste as pedras das minhas mãos. Agora elas estão em tua cruz. Reconheço que tenho dificuldades de amar aos inimigos. Reconheço que tenho dificuldade em fazer o que fez teu Filho Jesus. Reconheço que sou ser humano e não consigo. Obrigado que posso ser sincero com o Senhor. Senhor, faça aquilo que não consigo fazer! Senhor, ame aqueles que tenho dificuldade de amar. Ao mesmo tempo, cura e restaura a minha vida. Amém.
[1] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. "O Anticristo - 1888". in: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 404