Isaías 6.1-8 / Lucas 5.1-11
5º Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
o que as pessoas sentem quando estão diante da glória de Deus? O apóstolo Pedro, após contemplar o milagre da pesca maravilhosa, se prostrou diante de Jesus e lhe disse: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador.” (Lucas 5.8). O apóstolo Paulo, ao aproximar-se de Damasco, contemplou uma luz muito forte que o fez cair por terra e ouvir a voz de Jesus que lhe dizia “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (cf. Atos 9.1-9). Moisés, ao contemplar a Sarça Ardente, teve uma atitude de reverência e humildade (cf. Êxodo 3.1-22).
De repente, as cortinas se abrem, o encoberto é descoberto, o mistério é revelado e o ser humano pode ficar maravilhado com a glória de Deus – e se humilhar diante dela. A teologia desnuda a antropologia: ou seja, a glória de Deus revela e escancara a verdadeira natureza humana. A Glória de Deus nos humilha e coloca o ser humano em seu lugar – como ser humano e não como Deus. Eis a crucial diferença entre Criador e criatura.
Isaías contemplou o sagrado em sua profundidade, majestade e glória. O relato bíblico é realmente fascinante. Isaías descreve a epifania de Deus, dizendo: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo” (Isaías 6.1). Aquele acontecimento foi tão grandioso que Isaías o marcou no tempo: foi no ano da morte do rei Uzias que isso aconteceu – para nunca mais esquecer! A glória do Senhor é revelada ao ser humano!
Ver o Senhor já seria suficiente; mas a visão não parou por aí: “Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava.” (Isaías 6.2). Eles cobrem o rosto por medo de verem o Senhor e os pés para, em um eufemismo, cobrirem sua sexualidade.
O que são Serafins? A pergunta não é o que eles são, mas o que eles significam. Encontramos aqui a palavra hebraica שְׂרָפִ֨ (seraf). O significado da palavra seraf[1] está ligado a fogo e purificação[2]. No Antigo Testamento, quando Deus envia a Seraf, isso significa o envio de juízo e purificação. Por isso, o significado de seraf está relacionado ao fogo que purifica a prata e o ouro, tornando-os mais puros (cf. Malaquias 3.2-3). Os Serafins louvam a Deus, declarando a sua santidade: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Isaías 6.3).
Isaías contemplou a majestade de Deus. As cortinas que encobriam o Santo se abriram e ele pôde ver e ouvir a glória de Deus. E, diante de tamanha epifania/revelação, qual foi a sua ação? Sua primeira ação não foi o louvor; sua primeira ação não foi o orgulho de pensar ser alguém privilegiado por tal visão; sua primeira ação não foi uma ação de graças; sua primeira ação foi a confissão: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos.” (Isaías 6.5). Diante da pureza e da majestade de Deus, é desnudada a impureza e a indignidade do ser humano – que está separado de Deus desde Gênesis 3.
E então vem a Seraf de Deus na vida de Isaías: “Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.” (Isaías 6.6-7). Deus enviou a Seraf na vida de Isaías não para que ele fosse consumido e destruído pelo fogo, mas para que fosse purificado e perdoado. Esse foi um fato tão impactante que o transformou de um simples ser humano em um profeta: alguém que fala a Palavra que Deus põe em seus lábios: “Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim.” (Isaías 6.8).
Amados irmãos, amadas irmãs,
quando Deus envia a Seraf em nossas vidas, isso significa purificação, perdão, reconciliação, transformação e recomeço. No Novo Testamento, Deus decidiu revelar a sua glória na humilhação da cruz! Deus assume o próprio juízo sobre si mesmo na pessoa do Filho para que sejamos perdoados, purificados e transformados. E no Cristo da fronte ensanguentada na cruz contemplamos a glória de Deus revelada na humilhação e o poder de Deus revelado na fraqueza. Por isso, se queremos ver a glória e o poder de Deus, não devemos olhar para outro lugar senão à cruz! Ali está o rosto amoroso e misericordioso de Deus revelado na fronte ensanguentada do Cristo crucificado.
Ele não nos purifica pelo fogo, mas pelo Sacramento do Batismo – ou seja, pela água. Pelo batismo – meio da graça – nós somos purificados, perdoados e também chamados para uma nova vida em Cristo Jesus: uma vida transformada. O Batismo é o chamado de Deus ao ser humano a também ser profeta ou missionário: a participar da Missão de Deus que quer salvar a humanidade. Assim como Deus chamou Abraão, Moisés, Isaías, Pedro e Paulo, Deus também te chamou através das águas do batismo.
Como nos sentimos diante da glória de Deus revelada na cruz? Somos pecadores e indignos; mesmo assim, pelo batismo, Deus nos chama! Deus não realiza o seu chamado em nossas vidas a partir das nossas próprias qualidades ou defeitos, mas por causa da sua graça. O critério de Deus não são os nossos méritos, mas o seu amor por nós revelado em Cristo Jesus, a epifania de Deus ao mundo.
Portanto, meu dever hoje é lembrar você do seu chamado: pelo batismo, você foi escolhido por Deus, separado por Deus e chamado por Deus para servir. E também hoje Deus nos pergunta: “A quem enviarei? Quem há de ir por nós?” Isaías respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Qual é a sua resposta a essa pergunta? Que ela possa ser: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Estou disponível. Quero servir. Quero fazer mais do que já faço. E que Deus te use, irmão e irmã, para a sinalização do Reino de Deus aqui na comunidade e no mundo em que vivemos. Amém.
[1] A palavra seraf também significa serpente – mas não a serpente do jardim do Éden que é chamada em hebraico de נָחָשׁ (nachash).
[2] JEAN, Chevalier (org.). Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 39. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2024. p. 892.