Salmo 51.1-17
Mateus 1.1-17
Ciclo do Tempo Comum
P. William Felipe Zacarias
Ele era uma grande pessoa. Por onde passava, era aplaudido, reconhecido e aclamado. Todos conheciam o seu nome. Todos sabiam dos seus sucessos. Todos admiravam a história daquele que, de um simples e pobre menino, se tornou em um grande homem em seus negócios. Ele era um homem de sucesso. Ele derrubou um gigante. Ele aumentou os territórios do seu povo. No seu tempo livre, era apto às artes e à música. Nas Escrituras, recebeu um dos maiores elogios: “um homem segundo o coração de Deus”. Ele realmente era o cara – lembrado até hoje como o melhor rei de Israel. O seu nome é Davi.
Talvez hoje ele seria um empresário, um CEO de uma grande bigtech, um administrador de sucesso; talvez hoje ele seria um artista conhecido e bem-sucedido na área da música; talvez hoje ele seria um grande investidor com muitas posses em sua carteira. Davi hoje seria o retrato da pessoa bem-sucedida em sua área de atuação.
Contudo, por trás dos aplausos, do reconhecimento e do sucesso, havia uma densa fragilidade: a sua família. O sucesso o levou a acreditar que seu poder não possuía limites – e ele pensou poder ter todas as mulheres que quisesse, inclusive Bate-Seba, a esposa de um dos seus mais fiéis soldados chamado Urias, morto para que Davi ficasse com sua esposa. Em seu sucesso, ele podia dar aos seus filhos tudo o que queriam, menos aquilo que eles mais precisavam: tempo, conversa e limites. Aquele homem de sucesso, aplaudido e reconhecido pelo mundo, era um completo fracassado dentro de sua própria casa. Ele conquistou territórios, mas perdeu a sua família. Preocupado demais com os negócios ou com as últimas notícias, perdeu os seus filhos. A tragédia foi inevitável: em sua casa, Amon, filho de Davi, abusou sexualmente de Tamar, filha de Davi – e nem mesmo essa situação tão trágica o retirou de sua omissão familiar. Em pleno caos, Absalão, filho de Davi, matou seu irmão Amon. Na família de Davi – um homem segundo o coração de Deus – aconteceu um abuso sexual e um homicídio. E, poucas gerações depois, seus descendentes perderam todo o seu sucesso – para os assírios e babilônios.
O que aconteceu? Se Davi era um homem temente a Deus, como tamanhas tragédias foram possíveis? E em que medida a história familiar de Davi continua a acontecer de outras formas em nossa igreja e sociedade hoje? No livro “Pais santos, filhos nem tanto”[1], os psicólogos e terapeutas familiares Carlos (Catito) e Dagmar Grzybowski analisam a paternidade de Davi de um ponto de vista sistêmico. O livro possui apenas 84 páginas e recomendo que todas as famílias adquiram e leiam essa obra. Os autores trazem as nove marcas que levaram Davi a fracassar como pai. Trago quatro delas:
1. Acreditar que a estabilidade profissional é a prioridade: Muitos pais dispensam pouco tempo para os filhos por acreditarem que a estabilidade profissional é prioridade para garantir o futuro da família. Por isso, não investem tempo para brincar com os filhos, ouvir as suas histórias e acompanhar seu crescimento. Na ansiedade de buscarem provisão para o futuro, esquecem o presente. Na tentativa de deixar bens aos filhos, esquecem o bem que eles mais precisam: a presença paterna. Do que vale um pai ter sucesso e acumular bens se não tem a família perto para celebrar com ele as suas conquistas?
2. Dar tudo o que os filhos querem:
Uma das maiores mentiras da nossa sociedade é a de que é preciso dar aos filhos tudo o que não tivemos na infância ou adolescência, sejam bens materiais ou liberdades. Falsos especialistas afirmam que, ao agir assim, não traumatizamos nossos filhos. Porém, se os pais não deixam claro para o filho, desde muito cedo, que ele não pode nem precisa ter tudo que a sociedade de consumo oferece com promessas de felicidade e satisfação, correm o risco de vê-lo começar a impor condutas e liberdades que julgam erradas.[2]
A vida não imporá limites. É tarefa dos pais ensinar isso aos filhos desde cedo. Uma criança sem limites encontrará formas disfuncionais de encontrar o limite dos pais.
3. A ausência de diálogo: Não apenas cobranças ou buscar saber como vão as coisas na escola. Davi errou ao silenciar diante das tragédias familiares que aconteceram em seu lar. É preciso cultivar diálogos profundos sobre projeto de vida, valores e emoções. Colocar uma pedra em cima de problemas não traz solução, mas mata a planta e atrai germes. É preciso conversar olho no olho sobre os erros e acertos na vida dos filhos.
4. Terceirizar a educação dos filhos: Muitos pais enchem os filhos de atividades não porque desejam que tenham muitas habilidades, mas para suprir e preencher o vazio de tempo para acompanhá-los em casa. A tarefa da educação das crianças é dos pais, não da escola e nem mesmo dos avós – que só devem aconselhar quando a ajuda for solicitada.
Davi foi um excelente rei, mas um péssimo esposo e pai. Seus erros nos ensinam muitas coisas. Ele errou muito, mas a misericórdia de Deus nunca o abandonou. O Salmo 51 é a sua confissão de pecados onde Davi reconhece suas falhas diante de Deus com humildade e com um coração verdadeiramente contrito.
Pais são seres humanos. Por isso, em sua humanidade, são suscetíveis a falhas. Queridos pais, não sei quais foram os seus acertos e os seus erros; não sei quais são as suas qualidades e os seus defeitos; não sei se você tem tido sucessos ou fracassos em seu lar. Mas você sabe: Você sabe onde acertou e onde errou; você conhece suas qualidades e seus defeitos; você sabe se a família está no caminho certo ou se o rumo foi perdido. Você sabe!
Mesmo com suas falhas em sua paternidade, Davi está na genealogia de Jesus. De sua família disfuncional veio o Salvador do mundo. A Bíblia não jogou “a sujeira para debaixo do tapete”, mas mantém esses fatos para que os possamos enxergar na perspectiva da graça e da História da Salvação de Deus. Davi não foi oculto da genealogia de Jesus por causa das suas falhas, mas foi acolhido pela graça e pelo amor de Deus.
Davi contou com a graça de Deus. A graça de Deus é infinita. É a graça de Deus que traz perdão e cura – também aos relacionamentos familiares que estão quebrados. Queridos pais, vocês desejam ter relacionamentos restaurados? Vocês desejam a cura das relações familiares? “Perdoar não é esquecer um fato, mas livrar-se da compulsão da repetição. Afirmar continuamente para si que o outro lhe causou dano é, em essência, o movimento circular da neurose”[3]. Perdoar é livrar-se do círculo da repetição. Pais, Deus perdoa vocês quando falharam na educação dos filhos; filhos, Deus perdoa vocês quando não honraram pai e mãe... Mas vocês já perdoaram a si mesmos? Vamos orar.
[1] GRZYBOWSKI, Carlos; GRZYBOWSKI, Dagmar. Pais santos, filhos nem tanto. Viçosa: Ultimato, 2012.
[2] GRZYBOWSKI, 2012. p. 75.
[3] GRZYBOWSKI, 2012. p. 44.