Lucas 2.41-52
1º Domingo após o Natal - Ciclo do Natal - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
quem já assistiu ao divertido filme “Esqueceram de Mim”? É um clássico para o tempo do Natal na vida das pessoas. Eu amo esse filme. É o meu filme de Natal favorito. Em sua essência, há uma profunda mensagem cristã. Por exemplo: Kevin (interpretado por Macaulay Culkin) tem medo de um senhor idoso da sua rua. Porém, na cena da Igreja, os dois conversam e Kevin descobre que aquele senhor idoso havia brigado com o seu filho. A partir da conversa na igreja, aquele senhor idoso buscou a reconciliação com o seu filho. Enfim, é um filme muito interessante. Gosto de assistir a este filme todos os anos na época do Natal.
Ao ler o texto do Evangelho para este 1º Domingo após o Natal, veio-me à lembrança exatamente a premissa do filme. A história narrada no evangelho e a comédia tem suas conexões. O texto do evangelho nos afirma que Jesus havia ficado em Jerusalém sem que os seus pais o soubessem; da mesma forma a família de Kevin McCallister só percebem que ele ficou para trás algum tempo depois. Tanto José e Maria quanto os pais de Kevin são envolvidos em grande tensão quando percebem a ausência do filho.
Da mesma forma, chama a atenção as ações inesperadas das crianças: Jesus demonstrou uma sabedoria extraordinária ao debater com os mestres da Lei no templo. Talvez, esperaríamos que sua reação fosse sair chorando a procura de seus pais; mas, este não é o caso. Jesus está tranquilo. De forma parecida, Kevin demonstra uma inteligência prática ao precisar lidar com os ladrões que querem assaltar a sua casa.
E, claro, não podemos esquecer do grande momento de reencontro onde tanto para Maria e José quanto para os pais de Kevin há um misto de alegria, alívio e emoção. Em Setembro, quando minha mãe e eu estávamos de mudança para Novo Hamburgo, uma pessoa me disse que as duas situações que causam maior estresse aos seres humanos são, em primeiro lugar, perder um filho de vista e, em segundo lugar, fazer mudança de casa. Claro, essas são generalizações. Os estresses são bem individuais. Contudo, certamente perder um filho de vista é algo que nenhum pai ou mãe quer passar em sua vida.
Contudo, qual é o significado desse texto bíblico? Qual é o seu sentido para o tempo do Natal? O que Lucas quer dizer com estas palavras? O que esse texto pode dizer às nossas vidas nos dias de hoje? Vamos responder a estas perguntas através de três pontos:
1 MARIA E JOSÉ CULTIVAVAM A FÉ EM SUA FAMÍLIA
Assim nos diz Lucas 2.21: “Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de Jesus, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido.” E Lucas 2.41-42 diz: “Ora, anualmente iam seus pais a Jerusalém, para a Festa da Páscoa. Quando ele atingiu os doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa”. O que esses textos bíblicos nos informam? Que Maria e José cultivavam a fé em Deus em sua família. Havia espaço para a espiritualidade na família. A tradição da Páscoa era anualmente cumprida; e, aos doze anos, Jesus foi levado com José e Maria a Jerusalém.
Aqui está a importância do cultivo da fé cristã em família. Hoje, as famílias estão divididas; cada membro da família está preso à sua tela e às suas coisas; todos estão em uma correria maluca e parar se torna quase impossível ou difícil. Aliás, a correria é um dos fatores que mais mata a fé e a espiritualidade. Lutero já falou sobre isso em sua carta sobre a oração para seu amigo Pedro Barbeiro – mas isso é assunto para outro dia. Fato é que a correria não faz bem à fé. Espiritualidade exige tempo de qualidade.
Por isso, como Maria e José, é importante cultivar a fé em Deus em família. É fundamental, inclusive, valorizar os tempos importantes do calendário litúrgico. Há dois momentos que são fundamentais: o Natal e a Páscoa. Estes são os dois momentos mais solenes da fé cristã. Contudo, hoje os cristãos valorizam mais o “feriado” do que o significado destas datas. A ceia de Natal, a praia ou os encerramentos das empresas se tornam mais importantes que participar de um Culto de Natal, por exemplo. As redes sociais ficam lotadas de mensagens natalinas; mas a comunhão presencial com a Igreja de Jesus fica de lado... Qual é o sentido disso?
Maria e José investiram sua família na fé em Deus. Vale a pena aprendermos e praticarmos essa importante lição. O exemplo de Maria e José com o menino Jesus é muito importante para que as famílias permaneçam na fé em Cristo.
2 JESUS É SÁBIO DESDE SEMPRE
O texto bíblico também chama a nossa atenção para a sabedoria de Jesus. Isso é um prelúdio sobre tudo o que ele irá ensinar quando seu ministério iniciar. Esse texto de Lucas é uma conexão entre o maravilhoso nascimento de Jesus e o seu ministério de três anos que iniciará logo a seguir, após ser batizado por João Batista.
São Beda, que viveu no século VII, interpretou esse texto, dizendo: “Para mostrar que era homem, ouvia com humildade os mestres humanos. Para mostrar que era Deus, respondia de maneira humilde àqueles que falavam”[1]. Este que está a conversar com os Mestres da Lei não é apenas um grande Sábio como foram, por exemplo, Platão, Sócrates e Aristóteles. Não se trata apenas de alguém muito inteligente. Não estamos falando de um “garoto super gênio” como aqueles que resolvem problemas matemáticos complexos no Domingão com o Huck. Ele não é apenas um homem, um menino ou um pré-adolescente; ele é Deus! É o Deus-homem. A Segunda Pessoa da Trindade. O Deus-Filho. Nele, está toda a Sabedoria Divina – sabedoria que não veio ao mundo de uma forma soberba, mas humilde. Ele é a própria Palavra de Deus que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai (cf. João 1.14).
Portanto, Lucas quer nos revelar já agora a sabedoria de Jesus. Esse texto bíblico é o único retrato que temos da sua infância. E como é esse retrato? É a imagem da sabedoria de Deus no homem Jesus. Agora, os Mestres da Lei escutam suas palavras e ficam admirados com a sua inteligência. Mais tarde, os Mestres da Lei irão perseguir Jesus por causa dos seus ensinamentos.
3 JESUS É OBEDIENTE AO PAI CELESTIAL
Maria e José estavam apavorados. Apenas três dias após seu desaparecimento é que Jesus é encontrado. Maria e José eram responsáveis por Jesus. Contudo, do ponto de vista da História da Salvação, ele é Filho de Deus, o Pai, a primeira Pessoa da Trindade e foi concebido em Maria pelo Espírito Santo, a terceira Pessoa da Trindade.
Ao encontrar Jesus, Maria disse: “Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua procura” (Lucas 2.48b). Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lucas 2.49). Maria e José procuravam a Jesus, mas ele não estava perdido; ao contrário, cumpria a vontade de Deus, o Pai. E, naquele momento, tudo isso foi um grande mistério para Maria e José (cf. Lucas 2.50). Ele veio ao mundo para ser obediente ao Pai Celestial. E assim foi ao cumprir a sua missão de salvação. Conforme o apóstolo Paulo, ele foi “obediente até a morte e morte de cruz” (Filipenses 2.8). A Jesus, cumpria obedecer aos desígnios vindos dos céus.
Amados irmãos, amadas irmãs,
esse texto bíblico é tudo o que sabemos sobre a infância ou pré-adolescência de Jesus. São poucas palavras. Contudo, são mais que suficientes para a nossa vida de fé. Maria e José cultivaram a fé em sua família; Jesus foi sábio desde sempre e obedeceu ao Pai Celestial. O que cabe a nós senão admirar e contemplar os feitos de Deus entre o seu povo?
A Palavra de Deus nos inspira a seguirmos a Jesus. Embora parecesse desaparecido, esquecido ou perdido, Jesus cumpria os planos da vontade de Deus. Ainda estamos no tempo do Natal. Logo entraremos no período da Epifania onde aprenderemos ainda mais sobre a identidade de Jesus. Seguir a Jesus envolve toda a nossa vida: relacionamentos, aprendizados, trabalho, lazer, dinheiro, valores, ética, espiritualidade. Jesus cresceu e se tornou o exemplo de como podemos viver a nossa vida em obediência a Deus e em serviço ao próximo. Sejamos conformados com Cristo para continuarmos recebendo da sua sabedoria, da sua redenção e do seu amor. Nós não fomos esquecidos: Deus nos enviou Jesus para a nossa Salvação. Amém.
[1] in: AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea: exposição contínua sobre os Evangelhos. v. 3: Evangelho de São Lucas. Campinas: Ecclesiae, 2018. p. 118.