Lucas 2.1-7
Noite de Natal - Ciclo do Natal - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
“o tesouro já nasceu,
foi Deus Pai que o concedeu.
Veio para nos salvar.
Vida nova quer nos dar.
Ele é o Natal”, diz uma das músicas da nossa Cantata de Natal de 15/12.
É nesta noite que lembramos o seu nascimento. Ele já veio. Mas quem é ele? Apenas um homem? Apenas um ser humano? Apenas um sábio, um pensador ou um revolucionário? Quem é este menino que nasceu em Belém? Ele é Deus. O Deus Filho. A Segunda Pessoa da Trindade. O Filho do Pai que foi concebido em Maria pelo Espírito Santo. Este é Jesus.
Deus decidiu vir ao mundo de uma maneira totalmente humilde. Não entrou no mundo insuflado em poder, mas envolvido pela fraqueza e fragilidade de um recém-nascido. E a manjedoura, na humildade de ser apenas um coxo de animais, teve a oportunidade de receber o maior tesouro do mundo. Sim! O maior tesouro do mundo é depositado em um coxo de animais em um humilde paiol aos arredores de Belém.
Os animais testemunham o milagre do nascimento do Filho de Deus Pai. A Criação de Deus está envolvida no milagre do Natal. Embora agora também manifeste gemidos e sofrimentos como as dores de um parto (cf. Romanos 8), a Criação presenciou o nascimento do seu Redentor em um paiol.
Bem longe de Belém estava César Augusto, o Imperador Romano; também estava distante Quirino, governador da Síria. Homens poderosos! Contudo, agora enfraquecidos, pois nenhum deles é maior que esta criança deitada na humilde manjedoura. Inclusive, sem terem conhecimento disso, César Augusto e Quirino são usados pela mão divina para que, na plenitude do tempo, os planos divinos se realizassem. Os poderes humanos não são nada quando comparados ao poder de Deus que decidiu se manifestar na humildade.
O ser humano quer o poder; Deus se revelou na fragilidade de uma criança. O ser humano quer glória; Deus revelou sua glória aos humildes pastores. O ser humano quer subir; Deus desceu! Esse é o milagre do Natal: Deus não é encontrado nos poderosos que promovem a guerra, a destruição e a divisão; Deus não é encontrado nos poderosos que competem entre si para ver quem tem mais poder; ao contrário, Deus é encontrado no choro de uma criança recém-nascida: ali está Deus. Deus não estava nas hospedarias lotadas de gente e com muita comida e bebida. Deus se revelou em um paiol ignorado, através de um casal ignorado.
É assim que Deus veio ao mundo: na humildade do recém-nascido. São João Crisóstomo pregou em sua homilia do Natal de Cristo, dizendo:
Se quisesse, sem dúvida, poderia vir movendo os céus, fazendo estremecer a Terra e lançando raios, mas não veio assim, pois não queria destruir, e sim salvar, esmagando a soberba humana desde as suas raízes. Por isso não apenas se faz homem, mas homem pobre, e escolhe uma mãe pobre, que carece inclusive de algo em que possa reclinar a sua criança.[1]
Deus decidiu vir à terra à maneira humana. Assim, ele participou profundamente da nossa condição humana sem deixar de ser Deus! Inclusive, não está alienado dos nossos sofrimentos, mas, como humano, sofreu a nossa vida para ser empático aos nossos sofrimentos. Não cremos em um Deus que não sofre, mas que veio ao mundo, sofreu e é simpático aos nossos sofrimentos. Em seu romance “As Memórias de Underground”, o falecido filósofo inglês Roger Scruton afirma através do personagem Padre Pavel:
Deus, disse ele, só poderia estar presente entre nós se primeiro se despojasse de poder. Entrar neste mundo investido do poder que o criou seria ameaçar todos nós de destruição. Por isso, Deus entra em segredo. Ele é o verdadeiro impotente, cujo papel é sofrer e perdoar.[2]
Deus decidiu vir ao mundo de maneira humana, solidária e fraterna. Não veio para se vingar, para destruir ou para esmagar; veio para nos mostrar o rosto misericordioso de Deus. Veio para passar obedientemente pelo tormento da cruz. Veio para ressuscitar para que também possamos ir ao céu de onde ele veio em sua encarnação.
Amados irmãos, amadas irmãs,
a profundidade do amor de Deus é encontrada na fragilidade do menino deitado na manjedoura. Nele, a nossa noite é feliz; nele, o Natal está completo; nele encontramos o verdadeiro tesouro das nossas vidas – e é concedido de graça.
O Natal não é apenas uma data do calendário; o Natal não é apenas uma tradição repetida anualmente; o Natal não é apenas mais um feriado no ano. O Natal é tudo! É Deus entre nós. O Natal é o maior evento da história: pois é o único evento que foi capaz de dividir a história entre um antes e um depois. Quem está no centro da história? Cristo! Qual evento está no centro da história? O nascimento de Cristo!
Portanto, o Natal é também um maravilhoso convite: um convite que nos chama a deixarmos Cristo ser o centro das nossas vidas; um convite a ressignificarmos quem somos e o que buscamos neste mundo a partir da humildade do Deus nascido em Belém; um convite a olharmos para a manjedoura e contemplarmos que o extraordinário de Deus é encontrado nas coisas mais ordinárias das nossas vidas.
O Natal é um convite a uma decisão: a decisão de sermos manjedouras vivas onde Cristo vive; a decisão entre buscar as hospedarias lotadas e cheias de brilho ou a busca do estábulo humilde, mas que contém a Luz do Mundo; a decisão entre apenas dar presentes ou aceitar o maravilhoso presente que Deus nos deu ao enviar Jesus a este mundo; a decisão entre a competição pelo poder ou a aceitação da humildade como um sentido para as nossas vidas.
Sejamos manjedouras vivas. Que Jesus possa morar em nossos corações. Que, em Jesus, Deus nos transforme de dentro para fora. Que a humildade da criança em Belém seja a coragem que nos falta para sermos luz onde há trevas, serenidade onde há caos e esperança onde há desespero.
Hoje é o dia da Salvação. Ele nasceu e veio ao mundo para ser o Salvador – o seu Salvador. Vamos aprender com Deus que realizou algo único na história sem gerar a guerra, o ódio ou a divisão. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.
[1] CRISÓSTOMO, São João. “Homilia in diem natalem Christi.” in: AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea: exposição contínua sobre os Evangelhos, v. 3: Evangelho de São Lucas. Campinas: Ecclesiae, 2020. p. 93.
[2] SCRUTON, Roger. As Memórias de Underground. São Paulo: É Realizações, 2019. p. 120.