Lucas 7.11-17
3º Domingo após Pentecostes
Ciclo do Tempo Comum
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
Jesus teve compaixão! Ao chegar ao portão da cidade de Naim, Jesus encontrou uma multidão em um cortejo fúnebre. Faleceu o filho único de uma viúva. Jesus não era familiar da viúva; Jesus não era conhecido da família; Jesus não tinha nada a ver com o assunto. Mesmo assim, ele para! Ele reflete! Ele se compadece! As suas entranhas e todo o seu ser se comovem ao contemplar aquele cortejo, aquela cena, aquela mãe.
Nos tempos bíblicos as mulheres eram totalmente dependentes dos maridos. Quando uma mulher perdia o seu esposo, tornava-se uma pessoa vulnerável a depender da solidariedade alheia. A viúva de Naim perdeu seu esposo, mas tinha um filho para a auxiliar – tinha! Agora, aquela mãe segue chorando o cortejo do próprio filho. Além do luto fora da ordem natural das coisas (filhos sepultarem os pais), como ela iria sobreviver? Como iria manter a sua vida? Como seguiria dali em diante?
Jesus não passou pelo cortejo com indiferença. Jesus não seguiu o seu caminho como alguém que faz de conta não ter visto nada. Jesus não fechou os olhos aos sofrimentos daquela viúva, daquela mãe: “Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe disse: Não chores!” (Lucas 7.13). Com estas palavras, Jesus tocou o coração daquela mãe entristecida – porque ele mesmo foi tocado profundamente pelas suas lágrimas de mãe. O Senhor Todo-Poderoso não está confortável em seu trono, distante das tragédias e dos dramas humanas, mas se compadece, se move e consola.
Mas, há mais uma camada de profundidade aqui: Jesus Cristo é o Filho único do Pai. Diferente de outras narrativas de milagres, neste caso o evangelista Lucas escreveu “o Senhor se compadeceu” e não apenas “Jesus se compadeceu”: Deus, o Pai, também sentirá a dor da perda de um filho quando Jesus padecer e morrer na cruz! Antes de Jesus morrer, o Pai já conhece a dor daquela mãe e se compadece dela.
E, da mesma forma, como um prenúncio de que o Filho único do Pai não ficaria preso nas amarras da morte, aquele filho único da viúva de Naim é ressuscitado, resultando em grande glória a Deus e no testemunho de que “Deus visitou o seu povo” (Lucas 1.16). E a notícia do milagre rapidamente se espalhou por toda a região.
Amados irmãos, amadas irmãs,
a compaixão é o rosto de Deus no mundo. O filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) dizia, em tom crítico, que o cristianismo é a religião da compaixão[1]. A compaixão foi a principal marca das primeiras comunidades cristãs[2]. A compaixão está na essência do ser cristão e do sentido de ser cristão.
Vivemos em um mundo onde as pessoas têm se tornado cada vez mais frias, calculistas e com um imenso vazio de sentido para a sua existência. Ao mesmo tempo, o excesso de explicações sobre todas as coisas deixa pouco espaço para o mistério – e esconde o rosto de Deus do mundo.
O filósofo inglês Roger Scruton (1944-2020) na sua obra “O Rosto de Deus” diz que
essas pretensas explicações comparam a conduta humana à animal dando uma descrição absolutamente artificial de ambas. Em particular, elas descartam a intencionalidade radicalmente distinta da resposta humana. A generosidade humana é mediada por conceitos como dom, sacrifício, dever, santidade – conceitos que pressupõem o reconhecimento do eu e do outro.[3]
As atitudes animalescas do ser humano para com o seu próximo vem de uma desumanização do ser humano que é visto apenas como um “animal racional” que age a partir de instintos de sobrevivência. Contudo, a essência e o sentido de ser humano reside justamente na distinção entre pessoas e animais onde o eu e o tu não são meras “coisas”, mas sujeitos com memórias, traumas e afetos. A compaixão racional é uma das grandes marcas distintivas do ser humano porque é a capacidade de ser afetado pela dor do outro e uma forma de ver a si mesmo nos sofrimentos do outro onde “eu olha para eu”[4], onde há uma identificação de uns para com os outros. E é nessa identificação, compaixão e empatia que encontramos o rosto de Deus no mundo. Ao ver o ser humano apenas como um animal como os outros, a fonte da compaixão é secada e o rosto de Deus no mundo é escondido.
Resumindo: você pode situar os seres humanos inteiramente no mundo dos objetos. Ao fazê-lo, você com toda a probabilidade vai reduzi-los a animais cujo comportamento é explicado por alguma combinação de psicologia evolutiva e neurociência. Mas então você se verá descrevendo um mundo do qual a ação humana, a intenção, a responsabilidade, a liberdade e a emoção foram varridas: será um mundo sem rosto.[5]
Um mundo sem compaixão é um mundo sem rosto. É vazio. Não faz e não traz sentido à vida. E gera a “solidão comunitária” dos que vivem no meio de muitas pessoas, mas que continuam se sentindo vazios. Um mundo onde tudo é explicado apenas por impulsos químicos que acontecem no cérebro é um mundo vazio de sentido.
Jesus, porém, viu aquela mulher não a partir de um reducionismo psicológico, psiquiátrico ou sociológico que teriam mil e uma explicações para o seu lamento. Não! Jesus a viu como ser humano. E sentiu compaixão dela – movendo-se inteiramente em sua direção.
A compaixão é o rosto do Cristo crucificado no mundo. Onde há sofredores, ali está o rosto misericordioso de Deus. Onde a Igreja exerce compaixão, ali está o rosto compassivo de Deus. A compaixão é o rosto de Deus no mundo – rosto que a racionalidade exagerada conseguiu esconder. Como diria Carl Gustav Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. O Senhor agiu assim. Sigamos esse mesmo caminho. Amém.
[1] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo – 1888. In: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 375.
[2] KELLER, Thimothy. Igreja Centrada. São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 179.
[3] SCRUTON, Roger. O rosto de Deus. São Paulo: É Realizações, 2015. p. 50.
[4] SCRUTON, 2015. p. 60.
[5] SCRUTON, 2015. p. 76.