Jeremias 17.5-10
6º Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
Confiança! Confiança é a base de tudo! A vida em sociedade não é possível sem a confiança. Negócios entre pessoas não são possíveis sem a confiança. Relacionamentos amorosos não são possíveis sem confiança. A confiança é a base de tudo: da vida social, do comércio e dos relacionamentos. O aumento da desconfiança significa atenção, perigo ou ruptura. A desconfiança põe a vida em sociedade em cheque e fomenta o individualismo. A desconfiança põe os negócios em cheque e alimenta o protecionismo. A desconfiança põe casamentos em risco e podem levar ao divórcio. Portanto, não há como viver sem um mínimo de confiança. Muitas vezes, é preciso registrar a confiança em cartório para que não se corra, ingenuamente, algum risco. Se antigamente a “palavra falada” valia e era digna de confiança, hoje tudo precisa estar no papel.
Tudo passa pela confiança. Você vai fazer uma cirurgia? Precisa confiar no médico; vai comprar um produto? Precisa confiar na loja e no vendedor; vai colocar seus dados para ter uma rede social? Precisa confiar que seus dados estarão protegidos e não serão vendidos pelas big techs. Perceba como a confiança é importante e imprescindível em nosso dia a dia.
E então, nós que naturalmente confiamos uns nos outros para que a vida em sociedade seja possível, nos deparamos com essa Palavra de Deus na boca do profeta Jeremias: “Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do Senhor!” (Jeremias 17.5). E agora, pastor? Vou precisar dizer ao médico que não confio nele? Vou precisar dizer às pessoas com quem faço negócio que, estou negociando, mas não confio nelas? Vou precisar dizer ao meu esposo ou à minha esposa que o nosso relacionamento é bom, mas, não confio nele ou nela? E agora, pastor?
Para responder a essa pergunta, precisamos olhar para o significado da palavra confiança no hebraico do Antigo Testamento. Para confiança, temos nesse texto a palavra hebraica בְטַ֣ח (betah). O que essa palavra significa? Betah significa confiança, dependência e despreocupação. Betah aponta para um estado de bem-estar. No hebraico moderno, de betah derivam as palavras כֶּלִי בִּטָּחוֹן (kli bitachon) que é um equipamento de segurança e חֶדֶר בָּטוּחַ (cheder batuach) que é uma sala segura no contexto militar. Ou seja, essa é uma confiança da qual depende toda a sua vida!
Qual é o problema de confiar em pessoas? Nenhum, desde que não ocupem o lugar de Deus. Martinho Lutero interpretava a Bíblia através da distinção entre Lei e Evangelho. Não vamos nos aprofundar nisso no culto porque não é o momento. O que importa saber é que existem três usos da Lei. O primeiro uso da Lei é o uso civil que serve para organizar a vida em sociedade. É isso, por exemplo, que diz a lei Não matarás. A função dessa lei é tornar a vida em sociedade possível. Lutero diz que sem essa ordem social, “um devoraria o outro, de maneira que ninguém estaria em condições de ter mulher e filhos, trabalhar pelo sustento e servir a Deus; o mundo seria devastado”[1]. Portanto, a ordem social da sociedade depende da confiança entre as pessoas. Você precisa e pode confiar no médico, no comerciante e no/a cônjuge. Essa confiança está no âmbito da Lei.
O problema é quando a confiança em pessoas assume um lugar evangélico. O médico pode nos curar, mas não pode nos curar para a vida eterna; o comércio de bens pode nos trazer segurança financeira, mas não pode prometer uma segurança perene, uma vez que o mundo dos negócios muda a todo momento; um relacionamento pode trazer prazer e bem-estar, mas a morte própria ou do/a cônjuge é inevitável. O único lugar em que encontramos segurança eterna, perene e certa é em Jesus Cristo, nosso Senhor. Foi ele quem morreu na cruz pela nossa Salvação. E isso é o Evangelho. A lei não salva – mesmo quando achamos que a cumprimos. A salvação está no Evangelho que é Jesus Cristo, o Senhor e Salvador. Somente nele deve estar a nossa confiança para a salvação e vida eterna – pois outros não podem dar isso, só Jesus.
Portanto, a denúncia do profeta Jeremias está relacionada à idolatria. Idolatria não significa apenas adorar deuses ou objetos, mas também adorar pessoas e colocá-las no lugar de Deus. A idolatria é colocar um substituto no lugar daquilo para o qual não há substituto. Precisamos confiar em pessoas por causa da organização da sociedade. Contudo, pessoas não podem assumir o lugar evangélico de Jesus Cristo. A confiança em pessoas tem seu lugar dentro do espaço da Lei. Mas o Evangelho da salvação eterna é Somente Cristo.
Só Jesus pode nos salvar. Isso é o Evangelho. Colocar outro no lugar de Jesus significa confundir Lei com Evangelho. E é essa confusão que gera a idolatria: quando coisas, pessoas ou ordens do mundo assumem o lugar evangélico que pertence a Cristo. Esse, então, é maldito, pois deixou de depender do único capaz de lhe trazer salvação. Contudo, bendito aquele que confia no Senhor; ou seja, cuja fé à salvação está depositada não em pessoas deste mundo, mas em Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (Credo da Calcedônia, 451 d. C.).
Amados irmãos, amadas irmãs,
fiquem tranquilos para confiar em pessoas quando você precisar delas. Seja também uma pessoa de confiança para outras pessoas. A vida social depende disso. A construção do bem-estar social depende de relacionamentos marcados pela confiança que as pessoas têm umas nas outras. E só pode haver confiança quando as pessoas assumem a responsabilidade pelos seus atos. E isso está no âmbito da Lei para a organização da vida em sociedade. Já o Evangelho é Somente Cristo. A nossa confiança para a vida eterna precisa estar Somente em Cristo. Não há outro capaz de nos salvar para a eternidade: só ele! Colocar outro neste lugar significa idolatria e, portanto, confundir Lei com Evangelho – quando as coisas ordinárias do mundo ou pessoas assumem o lugar de Deus. Não faça idolatria; creia e confie em Jesus.
E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes, em Cristo Jesus, amém.
[1] LUTERO, Martinho. Da Autoridade Secular – 1523. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas: Fundamentação da Ética Política: Governo – Guerra dos Camponeses – Guerra contra os Turcos – Paz Social. v. 6. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: ULBRA, 2016. p. 86.