Lucas 4.21-30
4º Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
“A verdade: amam-na quando ela brilha e a odeiam quando ela os repreende”[1]. Esta frase foi escrita por Agostinho de Hipona na sua obra “Confissões”. Dito em outras palavras: a verdade é amada quando faz os nossos olhos brilharem e nos agrada, mas é odiada quando nos repreende. Quando a verdade “combina” com nossas expectativas, nós a admiramos como um belo elogio; quando a verdade rejeita nossas expectativas, a descartamos como se fosse mentira.
Jesus retornou a Nazaré, onde havia sido criado. Certamente, ali encontrou muitos conhecidos. Havia ali pessoas que conheciam muito bem aquele homem. Sua fama já havia se espalhado. Jesus, ao retornar a Nazaré, encontrou pessoas com muitas expectativas. Inicialmente, ficavam maravilhados com suas palavras (v. 22). O que as pessoas esperam? Que Jesus faça em Nazaré o que ouviram que ele fez em Cafarnaum (v. 23).
E o que Jesus faz? Anuncia um discurso pesado aos ouvidos do seu público. Jesus anuncia que, no Antigo Testamento, seu próprio povo rejeitou os sinais de Deus – que foram aceitos por gentios. Seu próprio povo rejeitou os profetas e tudo o que Deus manifestou, enquanto estrangeiros tem aceitado o agir de Deus. Qual foi o resultado da pregação de Jesus? Uma “igreja” vazia: “Todos, na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira” (Lucas 4.28). A verdade que confronta não apenas gera a ira, mas também a violência: “E, levantando-se, expulsaram-no da cidade e o levaram até ao cimo do monte, sobre o qual estava edificada, para, de lá, o precipitarem abaixo” (Lucas 4.29). A verdade confrontou; a verdade repreendeu; a verdade humilhou as expectativas do povo de Nazaré. O resultado: violência! Já aqui queriam achar uma maneira de matar Jesus.
Quando Jesus não supre as expectativas humanas, ele é rejeitado. Jesus é rejeitado pelos seus conhecidos por falar a verdade que não queriam ouvir. Jesus voltou à sua cidade e é incompreendido pelos seus conterrâneos. Naquele dia, Jesus perdeu o seu público. Inclusive, fiquei pensando essa semana: se Jesus fosse um pastor de comunidade, esse episódio significa que provavelmente no próximo Domingo seu culto estaria bem vazio – não por ineficiência sua, mas por pregar aquilo que os ouvidos não queriam ouvir.
Nós estamos no tempo da Epifania onde os cultos são uma oportunidade para que conheçamos Jesus mais profundamente. A missão desse tempo litúrgico é nos levar, Domingo após Domingo, a conhecermos quem é Jesus a partir dos sinais que ele manifestou – ou, nesse caso, deixou de manifestar.
Amados irmãos, amadas irmãs,
quando as nossas expectativas em relação a Jesus estão erradas, o resultado é frustração, desapontamento, indignação e violência. Hoje, muitas pessoas querem o Jesus “famoso”, o Jesus “popstar” ou o Jesus que faz tudo o que eu quero. Infelizmente, muitas igrejas “vendem” e “lucram” com esse Jesus fabricado para ser consumido como um produto e não como o Salvador. Muitas pessoas querem o “Jesus dos milagres” e não o Jesus da verdade! Muitas pessoas querem o “Jesus do sobrenatural” e não o Jesus do arrependimento e conversão – mudança de vida.
Qual Jesus você segue? O Jesus fabricado pelo seu próprio “eu”? O Jesus fabricado pelas suas expectativas humanas? O Jesus fabricado para o entretenimento? Ou você segue a Jesus conforme revelado nos evangelhos? O primeiro é um amuleto que uso quando preciso; o segundo é o Senhor. O primeiro é vendido; o segundo jamais poderá ser comprado – pois a Verdade não pode ser comprada. O primeiro é falso e gera frustração; o segundo é verdadeiro e gera a fé – aconteça o que acontecer.
Hoje, talvez mais que em outros tempos, pessoas tentam ao Senhor afirmando o que deve ou não fazer. O “eu” foi colocado no centro e, portanto, as vontades do “eu-todo-poderoso” precisam prevalecer a todo custo.
No início do culto, fomos acolhidos com palavras do escritor russo Fiódor Dostoiévski do provocativo capítulo “O Grande Inquisidor” do livro “Os Irmãos Karamázov”[2], sua última obra – portanto, a mais madura. No poema pensado por Ivan, um dos personagens do livro, um Cardeal com aproximadamente 90 anos dialoga com Jesus que, na narrativa do poema de Ivan, havia voltado ao mundo em Sevilha, na Espanha, nos piores dias da Inquisição.
Se Jesus manifestasse milagres e o seu poder ao povo de Nazaré naquele momento, eles não creriam nele livremente e por amor ao Senhor, mas porque aceitariam ser escravos dos seus milagres – e iriam querer cada vez mais deles! O milagre pode escravizar; o poder pode aprisionar; já o amor de Deus é libertador! A vontade de Deus é que o sigamos por livre e espontânea vontade e não porque – escravizados – desejamos algo em troca do seu poder.
Além disso, o milagre e a cura podem significar muitas coisas. No ministério pastoral, já presenciei muitas coisas: inclusive que pessoas conseguirem descansar em paz também significa cura. E não foi apenas uma vez que visitei uma pessoa no hospital em estado terminal que “não conseguia morrer”. No ouvir da Palavra de Deus e no perdão de familiares, muitas vezes, poucas horas depois da visita, vinha a notícia de que aquela pessoa faleceu. Foi curada e, por isso, pôde descansar em paz.
Deus nem sempre vai responder nossa oração da maneira como esperamos. Muitas vezes, ficamos esperando Deus responder a nossa oração – e, talvez, ele já respondeu com um “não” que nós temos dificuldade de aceitar.
O amor de Deus está disponível a todos os povos. Jesus Cristo é o nosso Senhor. Deus nos ajude a caminharmos com Jesus e a não o rejeitarmos mesmo quando a vontade soberana de Deus não corresponder às nossas expectativas humanas. Amém.
[1] AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. Coleção Patrística, v. 10. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2018. p. 201.
[2] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov. São Paulo: Martin Claret, 2019. p. 280-300. O Cardeal diz a Jesus: “Tu esperavas que, seguindo o teu exemplo, o homem permaneceria com Deus sem precisar de milagres. Mas não sabias que, mal o homem recusasse o milagre, logo recusaria também a Deus, pois o homem busca mais os milagres do que Deus” (p. 290). “Tu não desceste da cruz quando Te disseram, caçoando e injuriando: ‘Desce agora da cruz, para que vejamos e creiamos!’ Não desceste, pois não desejavas escravizar o homem com um milagre; querias uma fé livre, não inspirada pelo fantástico. Desejavas ardentemente um amor livre, não os êxtases servis de um escravo ante o poder que o aterroriza” (p. 290-291).