Apocalipse 21.1-6
5º Domingo da Páscoa - Ciclo da Páscoa - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Pastor, o novo Papa é o anticristo? As guerras são sinais do fim dos tempos? A catástrofe climática significa que Jesus voltará em breve? E você, você já ouviu ou fez essas perguntas?
O ser humano tem uma grande curiosidade pelo fim do mundo. No entretenimento, o filme “2012” arrecadou US$ 770 milhões no mundo inteiro. E de vez em quando surge novamente algum “profeta” avisando que devemos nos preparar para o fim do mundo. Quem lembra da virada do ano de 1999 para 2000? Ainda lembro da minha avó materna dizendo que o sol iria cair na terra, que haveria terremotos, entre outras coisas assustadoras. Talvez muitos vão lembrar do bug do milênio que poderia danificar todos os computadores na virada do ano. Bem, o ano virou e até hoje o mundo não terminou!
O livro de Apocalipse é o livro da Bíblia que mais causa medo em muitas pessoas. Inclusive, muitas pessoas têm medo de ler este livro. Há nele figuras espantosas (bestas, dragões), mistérios e enigmas, perguntas e dúvidas. Apocalipse parece ser um livro cujo significado está trancado a sete chaves! Para muitos cristãos, é difícil abrir esse livro e compreender o significado da sua mensagem.
De outro lado, muitas pessoas tentam dar palpites a partir de suas próprias especulações. Por isso, buscam especular se o novo Papa é o anticristo, se a guerra entre Israel e Gaza é sinal do fim dos tempos, se tragédias indicam que o fim está próximo... Esse hábito de especular não vem de hoje. Em seu tempo, Lutero já disse sobre o livro de Apocalipse: “Muitos já tentaram examiná-lo, mas até hoje nada conseguiram descobrir; alguns, inclusive, levantaram muitos absurdos tirados da sua própria cachola”[1].
Muitas vezes, temos a tendência de focar mais na catástrofe que na esperança. Temos a tendência de enxergar mais facilmente os aspectos negativos que os positivos. Damos mais atenção a uma crítica que a um elogio. Por isso, quando lemos o livro de Apocalipse, continuamos com o hábito de focar nas imagens assustadoras ao invés de olhar para aquilo que nos traz consolo.
O livro de Apocalipse foi escrito para trazer consolo aos cristãos. O livro foi escrito no tempo do imperador Domiciano por volta de 90 a 95 d. C. quando os cristãos enfrentavam duras perseguições, sofrimentos e tinham questionamentos sobre o triunfo de Cristo diante das potências imperiais. Diante dos sofrimentos dos cristãos, o livro quer trazer consolo e esperança.
Esta foi também a interpretação do reformador alemão Martinho Lutero. Ele diz que o livro foi escrito “para consolo, para que saibamos que nenhum poder nem mentira, nenhuma sabedoria nem santidade, aflição ou sofrimento haverão de oprimir a cristandade e sim, que ela, no final, se imporá e vencerá”[2].
Acreditar que a vida de fé significa a ausência de sofrimentos é uma grande ilusão refutada capítulo por capítulo pelo livro de Apocalipse. Sim, os cristãos são alertados: vão passar por sofrimentos, perseguições e até humilhações. Diante disso, são chamados à fidelidade: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2.10). Apocalipse não deve ser lido com os olhos da mente humana, mas com os olhos da fé[3].
No fim das contas, os sofrimentos podem ser grandes e pesados; contudo, nenhum mal poderá acabar com a Igreja de Jesus:
Conquanto que a palavra do Evangelho permaneça pura entre nós, e nós a amemos e valorizemos, não duvidaremos de que Cristo está entre nós e conosco, mesmo que as coisas andem muito mal. Como vemos aqui nesse livro, Cristo, no meio e acima de todos os tormentos, bestas e anjos maus, não deixa de estar com e entre seus santos, impondo-se, por fim.[4]
Amados irmãos, amadas irmãs,
o livro de Apocalipse pode parecer assustador quando desconhecido – e torna-se consolador quando conhecido. As bestas, o falso profeta e o dragão foram vencidos por um Cordeiro. Cristo Jesus, na fraqueza da cruz e na exaltação da ressurreição, venceu o diabo, a morte e o inferno:
Devemos pensar apenas em nos apegar à vontade de Deus, que é que nos agarremos a Cristo e creiamos firmemente que nossa morte, pecado e inferno nele foram vencidos em nosso favor e não podem nos fazer mal nenhum, de sorte que unicamente a imagem de Cristo esteja entre nós e que só com ele conversemos.[5]
Especialmente para quem sente saudades, o livro de Apocalipse é uma fonte profunda de consolo e esperança. A Páscoa nos presenteou com a certeza de que a morte não tem a última palavra na vida da pessoa cristã – ao mesmo tempo em que nos incentiva a vivermos a nossa vida a partir da esperança e não do desespero.
Em meio às perseguições e sofrimentos, São João viu novos céus e nova terra. Ele parou de focar nos sofrimentos e passou a olhar para as promessas de Deus. Ao fazer isso, São João contemplou a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu. Mas isso tudo não seria nada sem o mais importante e o maior tesouro prometido aos cristãos: “Eis a morada de Deus com os seres humanos. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (Apocalipse 21.3). O ser humano, sem o pecado, terá comunhão plena com Deus.
Pare de focar no sofrimento e comece a olhar para as promessas de Deus. Viva sua vida com esperança. Contemple o amor de Deus em Cristo. Ouça o Evangelho. Participe do Sacramento da Ceia. E que também em tua vida Deus faça novas todas as coisas. Amém.
[1] LUTERO, Martinho. Prefácio ao Apocalipse de São João – 1546. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 8: Interpretação Bíblica: Princípios. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2003. p. 155.
[2] LUTERO, 2003. p. 162.
[3] Cf. LUTERO, 2003. p. 162.
[4] LUTERO, 2003. p. 163.
[5] LUTERO, Martinho. Um sermão sobre a Preparação para a Morte – 1519. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 1: Os Primórdios – Escritos de 1517 a 1519. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2016. p. 393.