Isaías 43.1-7 / Lucas 3.15-17, 21-22
1º Domingo após Epifania - Ciclo do Tempo Comum - Ano C
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
Água. Um elemento tão comum, tão presente em nossa vida, e ao mesmo tempo tão cheio de significado. Basta olhar para a criação, lá no início de tudo. Antes mesmo de Deus criar a luz, antes das estrelas, das plantas, ou de qualquer coisa que possamos imaginar, “o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gênesis 1.2). As águas foram o palco onde começou a grande história da criação. E então, no segundo dia da Criação, Deus disse: “Haja firmamento no meio das águas e separação entre águas e águas” (Gênesis 1.6).
E quanta história essas águas separadas em meio à terra carregam! Elas estavam lá no dilúvio, quando Deus trouxe uma nova chance para a humanidade através da missão de Noé (cf. Gênesis 6-8). Elas estiveram no Rio Nilo, transformadas em sangue, como sinal do poder de Deus diante do Faraó – que se achava mais poderoso que tudo (cf. Êxodo 7.14-25). Elas abriram o caminho para a libertação do povo de Israel no Mar Vermelho (cf. Êxodo 14). E, no deserto, quando a sede ameaçava a vida, Deus fez brotar água da rocha para saciar seu povo (cf. Êxodo 17.6).
Essas águas nos contam algo profundo: Deus não apenas nos dá o dom da vida, mas também age em meio às dificuldades para trazer recomeços. As águas nunca são meras coadjuvantes. Elas carregam as marcas do cuidado, da presença e da intervenção divina. Quando já assentados na Terra Prometida, os rios e as chuvas trazem a fertilidade da terra e apontam para a benevolência de Deus. O profeta Oséias usa a metáfora da água para dizer que Deus é como a chuva da primavera a regar a terra (cf. Oséias 6.3) e como o orvalho que faz crescer as flores (cf. Oséias 14.5-6).
Nos livros de Sabedoria, o coração da pessoa sábia é comparado a uma fonte (cf. Provérbios 20.5); suas palavras têm o poder de uma torrente (cf. Provérbios 18.4); já a pessoa sem sabedoria é comparada a um vaso rachado que deixa escapar o conhecimento (cf. Eclesiástico 21.14). Poços e fontes são lugares de encontros e conversas, como a que Jesus teve com a Mulher samaritana (cf. João 4.1-30); e Jesus se revelou à mulher samaritana como fonte da água viva (cf. João 4.10).
Hoje, celebramos um momento muito especial: o Batismo do Senhor Jesus Cristo nas águas do Rio Jordão. E, mais uma vez, as águas são palco de algo extraordinário. Ali, no Rio Jordão, as Escrituras nos dizem que “os céus se abriram”, o Espírito desceu em forma de pomba, e o Pai declarou: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Lucas 3.22). Que cena magnífica! O Deus Trino – Pai, Filho e Espírito Santo – se revela de forma clara e poderosa.
Mas por que Jesus, o Filho de Deus, sem pecado, precisaria ser batizado? Essa pergunta intrigava até mesmo João Batista, que hesitou diante de Jesus, dizendo: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mateus 3.14). Mas Jesus respondeu com humildade e determinação: “Deixa por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mateus 3.15). Jesus não aceitou a exceção solicitada por João Batista: cumpriu a vontade do Pai e recebeu o batismo no Rio Jordão. Ali, naquele exato momento em que os céus e a terra se encontraram, iniciou-se o ministério público de Jesus.
No Batismo de Jesus, vemos algo profundo: Ele não estava lá para si mesmo, mas por nós. Ele se identifica com a nossa humanidade. Ele entra nas águas do Jordão como um de nós, assumindo o compromisso de viver plenamente a vontade do Pai. E mais: Ele não recebe o Espírito Santo para si, mas para iniciar seu ministério, um ministério que traria salvação e reconciliação para todos nós[1].
O Batismo de Jesus marca o início do seu ministério. Ele começa ali um caminho que passaria por desertos, curas, ensinos, confrontos e, finalmente, pela cruz e pela ressurreição. Cada passo de seu ministério aponta para o Reino de Deus, um reino de justiça, amor e redenção.
Mas e quanto a nós? O que esse momento significa para a nossa vida? O Batismo, como Jesus nos ensinou, não é apenas um ritual, tradição ou símbolo. Ele é o momento em que Deus nos chama para uma nova identidade. Ele nos diz: “Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (Isaías 43.1).
No Batismo, recebemos a graça de Deus. O batismo não é uma obra humana para a salvação, mas de Deus; quem batiza não é o pastor, mas Deus; não simboliza a salvação, mas é a Salvação concedida por Deus ao ser humano pecador. O batismo vivido significa ao ser humano se reconhecer como simultaneamente justo e pecador até o seu túmulo!
E aqui está um ponto crucial: o Batismo não é apenas um evento do passado, uma lembrança distante. Ele é um chamado diário. Ser batizado significa viver essa nova identidade todos os dias, com todas as suas implicações. É reconhecer que somos simultaneamente justos e pecadores. É abraçar o desafio de viver como seguidores de Cristo, amando, servindo e anunciando sua mensagem. Nosso batismo é o início do nosso ministério. A partir do Sacerdócio Geral de todos os crentes, somos todos vocacionados a servir a Deus por meio do próximo.
Amados irmãos, amadas irmãs,
hoje somos convidados a olhar para as águas do Batismo com novos olhos. Elas não são apenas um símbolo, mas um meio pelo qual Deus age em nossa vida. Elas nos lembram do amor incondicional de Deus, do chamado para sermos parte de sua família, e da promessa de que Ele está conosco, sempre (cf. Mateus 28.18-20). A pessoa batizada é chamada a viver a sua fé em toda a sua vida, para, enfim, um dia repousar em pastos verdejantes e ser levado para as águas de descanso (cf. Salmo 23.2).
Então, hoje, ao celebrarmos o Batismo de Jesus, lembremos também do nosso próprio Batismo. Pela fé, o Batismo se torna Salvação. E a fé não é obra humana, mas dom de Deus (cf. Efésios 2.8-10).
Instituído pelo próprio Senhor Jesus, o Batismo se tornou o rito de iniciação na fé cristã. Acontece apenas uma vez porque há uma só Igreja Cristã (cf. Efésios 4.4-6). Não pode e não deve ser repetido porque significa a divisão do corpo de Cristo. Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, temos o rito da lembrança do Batismo. Martinho Lutero escreveu em sua escrivaninha a frase “sou batizado”. Ao olhar para essa frase, Lutero encontrava conforto na graça de Deus.
Hoje, queremos realizar o rito da rememoração do Batismo. Cada pessoa poderá vir até à Pia Batismal, molhar uma das suas mãos, fazer uma oração e crer nas promessas de Salvação concedidas por Deus em Jesus Cristo. Ao molhar uma das mãos, diga para si mesmo: “fui batizado, sou amado por Deus”.
Que possamos, como comunidade, renovar nosso compromisso de caminhar com Cristo, de ser luz em meio à escuridão, e de viver como testemunhas vivas do amor de Deus. Pois, nas águas do Batismo, Deus nos deu uma nova história, um novo começo, e a promessa de uma eternidade em sua presença. Amém.
[1] cf. São João Crisóstomo. in: AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea: exposição contínua sobre os Evangelhos. v. 3: Evangelho de São Lucas. Campinas: Ecclesiae, 2020. p. 142; e Santo Agostinho. in: AQUINO, 2020. p. 142.